As regras das convenções de Montreal e de Varsóvia não podem ser aplicadas para reparar danos materiais decorrentes de violação e furto do conteúdo de bagagens em voos internacionais. Por se tratar de crime doloso, o furto não está elencado nas limitações de responsabilidade destes pactos. Logo, a reparação dos bens subtraídos tem de ser integral, como prevê o artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).
O entendimento, inédito na Justiça gaúcha, foi firmado pela 11ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para reformar sentença que condenou a companhia aérea American Airlines a indenizar uma consumidora de Porto Alegre em módica quantia, além de negar dano moral.
No retorno ao Brasil, ela teve uma das malas extraviadas, devolvida ao balcão da companhia aérea dois dias depois, totalmente violada. Não havia mais nada em seu interior, a não ser alguns travesseiros simulando volume. O prejuízo: R$ 17 mil.
A Convenção de Montreal unifica certas regras relativas ao transporte aéreo internacional, tendo sido internalizada pelo Decreto 5.910/2006, compilando, assim, normas da Convenção de Varsóvia (internalizada pelo Decreto 20.704/1931) e de instrumentos conexos. Nos termos desta convenção, ocorre transporte aéreo internacional quando o ponto de partida, o ponto de destino ou a escala é feita em território de outro estado.
Indenização justa
Inconformada com o reembolso parcial dos prejuízos, a autora ajuizou ação indenizatória contra a companhia norte-americana na 2ª Vara Cível de Porto Alegre. O juiz Sílvio Tadeu de Ávila negou o pedido de danos morais por entender que a empresa área não se negou a indenizá-la, oferecendo R$ 6,2 mil – valor de pronto rechaçado.
Ávila deferiu apenas os danos materiais, arbitrados em consonância com o artigo 22 da Convenção de Varsóvia, estipulados em 1.131 Direitos Especiais de Saque (DES). Isso equivale ao teto máximo a ser desembolsado pelas companhias aéreas internacionais nestes casos, de US$ 1.583,40; ou seja, R$ 6.001,65 na data da conversão. A decisão do juiz seguiu entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário 636.331 e no Agravo em Recurso Extraordinário 766.618).
Reparação integral
A autora, representada pelo advogado Marcos Brossard Iolovitch, apelou da sentença ao TJ-RS. Ela questionou o indeferimento do pedido de danos morais e pediu o aumento do valor dos danos materiais, sustentando que, no caso concreto, não incidem as regras da Convenção de Montreal, mas do Código de Defesa do Consumidor. Afinal, a consumidora não foi vítima de extravio de bagagem, conduta culposa, mas de furto, que envolve dolo e não é prevista nas regras da Convenção de Montreal.
Os desembargadores da 11ª Câmara Cível acolheram integralmente os pedidos. Eles concordaram que a limitação da responsabilidade prevista na Convenção de Montreal restringe-se às hipóteses taxativamente previstas naquele pacto, de “destruição, perda, avaria ou atraso” de bagagem. Assim, o furto de itens do seu interior não se enquadra em nenhuma destas hipóteses, razão pela qual inaplicável a convenção. Em face da decisão, os danos materiais foram aumentados para R$ 17.097,96, que correspondem ao valor total dos itens furtados da bagagem.
O desembargador-relator Bayard de Freitas Barcellos disse que o extravio de uma das bagagens, independentemente do conteúdo das malas, justifica a indenização por danos morais, arbitrada em R$ 10 mil. ‘‘É inegável que a frustração e a ansiedade pelas quais passam os passageiros que não encontram sua bagagem no momento do desembarque não podem ser consideradas mero aborrecimento, uma vez que trazem sempre transtornos a qualquer tipo de viagem’’, apontou.
Já o desembargador Pedro Luiz Pozza lembrou que a companhia aérea não disponibilizou aos seus passageiros formulários com a declaração especial de conteúdo de bagagem, prevista no artigo 22, item 2, da Convenção de Montreal. O documento condiciona o pagamento de uma indenização superior à tarifada – hoje, arbitrada em US$ 1.583,40 – em caso de extravio. ‘‘Portanto, mesmo que a recorrente quisesse, não teria logrado êxito no preenchimento da malfadada declaração, mais uma razão para afastar a aplicação da Convenção de Montreal’’, encerrou.
Processo: 001/1.16.0017836-8
Fonte: Jornal Jurid