O futuro Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) pode incluir regras para desobrigar as companhias aéreas de indenizar os passageiros por prejuízos que venham a sofrer em decorrência de atrasos ou cancelamentos de voos causados por fatos considerados de força maior, como eventos climáticos, acidentes ou problemas operacionais que provoquem a interrupção de pousos e decolagens. Dispositivo com essa finalidade foi sugerido à comissão de especialistas encarregada de elaborar o anteprojeto do novo código.
A proposta consta de relatório apresentado pelo advogado Ricardo Bernardi, especialista em Direito Aeronáutico. Na visão do advogado, a medida é harmônica com a teoria da responsabilidade civil, que resguarda pessoas físicas e jurídicas de reparar danos por motivo de força maior. De modo prático, o texto do CBA passaria a especificar situações habituais do transporte aéreo que afetam a vida do passageiro, mas decorrem de acontecimentos fora da responsabilidade das companhias.
“Força maior quebra o nexo. Então, não há obrigação de indenizar. É isso que estamos propondo. É um princípio de direito que queremos transpor para o código”, reforçou em entrevista.
Furacão
Bernardi citou como fato característico a eventual interrupção das operações de um aeroporto devido a problemas no sistema de controle dos voos. Mencionou ainda a hipótese de um furacão nos Estados Unidos, no meio da rota de voos entre o Brasil e aquele país.
“É óbvio que o voo não vai sair daqui e passar pelo meio de um furacão, o que decorrerá atraso. Agora, imputar à companhia aérea todo o ônus decorrente deste atraso fora do controle dela também não parece razoável”, argumentou.
O advogado admitiu que há outros pontos de vista em relação à questão, inclusive com base na ideia de que essas ocorrências são parte do risco do negócio. Ressaltou, contudo, que transferir o risco para as empresas provoca aumento dos valores envolvidos na prestação do serviço. Do ponto de vista econômico, explicou, isso resultará na elevação dos preços das passagens aéreas.
Para cobrar indenizações por danos, normalmente os passageiros recorrem aos Procons e ao Judiciário. Durante a audiência, membros da comissão destacaram que no país as decisões judiciais costumam favorecer os consumidores, considerados hiposuficentes (parte mais frágil nas relações de consumo).
Assistência
Ainda na visão do advogado, o princípio da exclusão de responsabilidade por motivo de força desobrigaria as empresas aéreas até mesmo de prestar assistência material aos passageiros retidos nos aeroportos. A depender do tempo de atraso, segundo regras da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), hoje os passageiros devem dispor de telefone para comunicações, alimentação ou mesmo hospedagem.
Ricardo Bisinotto Catanant, que chefia o Departamento de Serviços Aéreos da Anac, pediu cuidado no exame da proposta da exclusão da responsabilidade por motivo de força maior. Segundo ele, a medida pode causar impacto severo na vida do passageiro em situações de atraso e mesmo de mudança de pouso para aeroporto diferente do programado.
Bernardi admitiu na entrevista que essas implicações devem ser bem avaliadas, pois o passageiro não pode mesmo ficar desamparado. Porém, considerou necessário também discutir em que a assistência material deve caber exclusivamente à companhia aérea. A seu ver, outros agentes do sistema podem compartilhar a obrigação.
Franquia de bagagem
O relatório apresentado por Bernardi inclui ainda sugestão para que seja desregulamentada as regras sobre franquia de bagagem, com liberdade de fixação de preços pelo próprio mercado, esse o princípio já adotado no país para os preços dos bilhetes. Pela lógica de mercado, avalia o advogado, bilhetes sem franquia podem ter preços mais baixos.
Atualmente, em trechos nacionais os passageiros contam com uma franquia de bagagem de até 23 quilos. Nos voos internacionais que partem do Brasil, o limite é de 32 quilos. Segundo Bernardi, outros países não impõem franquias às empresas.
“O problema é que o passageiro que não quer levar 32 quilos, que leva dez quilos ou que não quer levar nada está pagando, no final das contas, pelos 32 quilos do outro”, justificou.
Outra sugestão é no sentido da flexibilização das regras referentes aos prazos de validade dos bilhetes. Bernardi observou que hoje já é possível comprar um bilhete por menor valor se a tarifa tem multa maior no caso de pedido de reembolso. O mesmo se aplicaria aos prazos dos bilhetes: aqueles com validade de tempo maior tenderiam a ter valores mais alto, e os de prazo mais curto seriam mais baratos.
Fonte: jornal O Tempo