O consultor José Aparecido Ribeiro teve 30 mil milhas furtadas depois que caiu no golpe ao receber correspondência eletrônica pedindo para atualizar seus dadosConsultor em assuntos urbanos, José Aparecido Ribeiro (foto), de 44 anos, enfrenta uma grande dor de cabeça desde o fim de novembro, quando acessou o site de uma companhia aérea: um hacker havia furtado suas 30 mil milhas. “Pretendia usar 10 mil delas para viajar a Macapá (AP), onde mora minha mulher, e outras 10 mil para voltar a Belo Horizonte. Reclamei na TAM, que reconheceu a fraude, mas me pediu 30 dias para avaliar o problema. Ocorre que preciso viajar esta semana, época em que os preços das passagens estão altos e a demanda é grande. Consegui que um amigo me empreste 10 mil milhas para a ida. Mas não sei como farei para voltar”, lamenta. O furto por terceiros de milhas aéreas, criadas para fidelizar os clientes, não isenta as companhias do dano material e moral.
A falha na prestação de serviço pode abortar a sonhada viagem com a família. “Toda má prestação de serviço, segundo o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), enseja danos moral e material”, reforça o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa. Segundo especialistas, o dano material não é difícil de calcular. Já o moral depende de cada caso concreto, pois o magistrado, na sentença, leva em conta vários quesitos. Um deles é a extensão do aborrecimento do passageiro. Por outro lado, o valor a ser estipulado pelo juiz não pode “favorecer” o autor com o chamado enriquecimento ilícito, proibido pelo Código Civil.
A ação pode ser ajuizada tanto no fórum quanto no juizado especial. Nesse último, porém, o valor da indenização, como determina a lei, não pode ultrapassar o correspondente a 40 salários mínimos (R$ 21,8 mil). A advogada Luciana Atheniense, referência no ramo do direito do consumidor e especializada em turismo, defende clientes com problemas semelhantes ao de José Aparecido. Numa das ações, ela reivindica o extorno do furto de 255 mil milhas. “Daria para o meu cliente fazer cinco viagens internacionais. Já houve a audiência de conciliação e a companhia ofereceu a reposição das milhas. Porém, não aceitamos porque houve o dano moral.”
O furto de milhas também causou revolta na técnica em telecomunicações Silvana Caldas Brant, de 45 anos. Primeiro, porque ela constatou, em setembro, que 15 mil unidades haviam sido furtadas de sua conta. Segundo, pela maratona enfrentada na companhia aérea para que as milhas fossem estornadas. Ainda não foram. “Entrei em contato com a companhia aéra e o atendente me pediu prazo de 10 dias. Em novembro, voltei a telefonar, cobrando uma solução, e disseram que não havia nenhuma ocorrência aberta. Pediram para entrar em contato com a Multiplus, que administra os pontos da TAM. Dias depois, recebi um e-mail dessa empresa, informando-me que meu pedido havia sido deferido.”
O reconhecimento da empresa acerca da fraude ainda não foi o bastante para solucionar o problema de Silvana. “No e-mail, informam que preciso redigir uma carta de próprio punho e registrá-la em cartório (para resgatar os pontos). É uma chateação”, critica a passageira, que pretende viajar para Salvador com as milhas. “Vou usar os pontos do meu cunhado. Se não fosse a boa vontade dele, correria o risco de não embarcar.”
A TAM informou, via e-mail, que “os dados de acesso ao Programa TAM Fidelidade e à Multiplus – rede de empresas e programas de fidelização da qual o TAM Fidelidade faz parte – são de total responsabilidade do cliente e não devem ser informados a terceiros ou em e-mails e sites de origem desconhecida. A TAM e a Multiplus não enviam mensagens com links solicitando dados pessoais, assinatura eletrônica ou senha”.
Passageiros que acumulam milhagens nas companhias aéreas devem ter cuidado com e-mails. Relatos de clientes que tiveram unidades furtadas revelam que quadrilhas especializadas no crime enviam falsos correios eletrônicos, como se fossem enviados pelas companhias, pedindo que os consumidores atualizem seus dados. Os golpistas criam uma página semelhante às das empresas com campo para que os clientes preencham, por exemplo, a senha, o CPF e o número da carteira de identidade.
“Foi assim que ocorreu comigo”, lamenta o consultor em assuntos urbanos José Aparecido Ribeiro. Ele conta que recebeu um correio eletrônico, em nome da TAM, e o preencheu. Dias depois, quando foi consultar seu extrato, notou que suas 30 mil milhas haviam desaparecido de sua conta.
As quadrilhas resgatam as unidades e as vendem para terceiros. Silvana Brant descobriu até o nome do passageiro que viajou com suas milhas. Ela também foi vítima de um e-mail falso. “O rapaz viajou de São Paulo para Fortaleza”.
José Aparecido também descobriu o nome do passageiro beneficiado com suas milhas. O trajeto, inclusive, foi parecido com o que ele costuma fazer: “A pessoa viajou num trecho em que tenho o hábito de usar: Macapá–Belém–Rio de Janeiro. Alguém entrou no meu histórico e observou o trecho que uso. É uma gangue”.
As páginas clonadas das companhias aéreas chegam aos clientes por meio de emails tentadores. Alguns chamam atenção dos internautas oferecendo viagens a preços irrisórios. Outros, porém, informam que o correio eletrônico foi enviado apenas para a atualização de dados. De qualquer forma, todos pedem que o usuário digite sua senha.
Golpes semelhantes também ocorrem com bancos, com os criminosos pedindo que o correntista digite a senha do cartão bancário ou de crédito e/ou débito. O Judiciário brasileiro, tanto no que diz respeito ao furto de milhas quanto no golpe bancário, coleciona sentenças favoráveis aos consumidores com deferimento de danos material e moral. (PHL)