A venda de mais passagens aéreas do que o número de assentos em um vôo, o popular overbooking (ou overselling), entra sempre em evidência na alta temporada. Prevista em lei, essa prática é adotada pelas empresas para preencher as poltronas dos passageiros que perdem seu vôo ou desistem dele na última hora (no jargão, o no show). Ao calcularem a emissão de bilhetes excedentes, as companhias se baseiam em variáveis como horário, trecho etc.
Quando a estatística falha, porém, pode aparecer mais gente para embarcar do que cabe no avião. Não é coincidência, portanto, que a ponte aérea Rio-São Paulo, campeã de no shows, seja recordista em overbookings. Antevendo um fim de ano de caos no setor aéreo, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) proibiu o overbooking entre 17 de dezembro e 3 de janeiro.
TAM e Gol, as líderes do mercado nacional, dizem não praticá-los, mas já foram condenadas a indenizar clientes que não tiveram sua reserva atendida. Para André Castellini, consultor de aviação da Bain & Company, é pouco provável que as empresas se sustentem sem esse recurso, já que a taxa média anual de no show no Brasil bate nos 10% – nos Estados Unidos chega a 15%. “Além disso, há questões como a reacomodações de passageiros em conexões atrasadas ou com vôos cancelados”, afirma Castellini. Como dezembro e janeiro registram os maiores porcentuais de atrasos no ano, saiba como reagir a esses e outros inconvenientes em pleno aeroporto. Quer fazer a sua parte? Chegue com antecedência.
A resolução 141 da Anac, de março de 2010, é a versão mais atualizada dos direitos dos passageiros – e dos deveres das companhias – em casos de overbooking, cancelamento e atraso de vôos no Brasil. De acordo com o documento, as empresas são obrigadas a reacomodar o cliente “overbooked” em outro vôo e na primeira oportunidade ainda que seja em companhia aérea diferente. Se a espera até o embarque ultrapassar 1h, as empresas devem arcar com as despesas com internet e telefone de seus passageiros; se esse tempo chegar a 2h, também com a alimentação; e, se atingir 4h, com hotel e transporte. Quem desistir de voar deve ser reembolsado imediatamente.
Apele ao funcionário da agencia reguladora para garantir seus direitos ou mediar uma negociação caso as soluções propostas pela companhia ou a assistência oferecida não sejam satisfatórias. Além dos fiscais de plantão nos aeroportos, os terminais de Brasília, Confins, (Belo Horizonte) e Guarulhos (São Paulo) mantêm postos da Anac. O juizado Especial Cível, instalado em cinco aeroportos desde julho – nos dois do Rio e de São Paulo e no de Brasília -, também pode ajudar na conciliação.
O documento que comprova que o passageiro foi realmente excluído do vôo tem grande serventia em uma ação judicial. Nesse caso também podem ser úteis quaisquer outras provas de overbooking: confirmação de reserva, declarações de testemunhas e até fotos dos painéis de vôos indicando o atraso ou o cancelamento.
A estratégia é pouco eficiente e só gera desgaste. Se as reclamações à companhia não surtirem efeito, direcione suas energias para colecionar evidencias de que você realmente tem razão.
Como o movimento nos aeroportos cresce consideravelmente durante os meses de férias – a Anac previa uma taxa de ocupação entre 90% e 95% nos vôos da segunda quinzena de dezembro -, reacomodar um passageiro vitima de overbooking pode demorar mais que na baixa temporada. Por isso leve na bagagem de mão produtos de higiene básica, bolachas e chocolates, um casaco e um travesseirinho. Palavras cruzadas, livros, aparelhos de MP3, laptops e até jogos de tabuleiro também ajudam a diminuir o desconforto da espera.
A advogada Luciana Atheniense, autora do livro Viajando Direito, esclarece que, apesar de a legislação brasileira não estipular um valor, todo passageiro impedido de embarcar tem direito a ser compensado pelos danos causados pelo overbooking no momento em que ele acontecer. No exterior, a indenização é garantida por lei. Nos Estados Unidos, ela pode ser de até U$$400 se o passageiro chegar ao destino entre 1h e 2h depois do previsto. Em atrasos de mais de 2h (4h para vôos internacionais), o valor pode dobrar. Na Europa, qualquer pessoa que não embarque no vôo para o qual tenha reserva tem direito à indenização. As reparações vão de 250 euros, pagos pelos vôos que percorrem até 1 500 Km, a 600 euros, para rotas com mais de 3 500 Km.
A companhia também pode oferecer indenização financeira a quem abrir mão de seu lugar no vôo voluntariamente. Pouco comum no Brasil, essa pratica ocorre bastante lá fora e chega a funcionar como uma loteria. Nos Estados Unidos, de janeiro a setembro de 2010, 91% dos passageiros que não embarcaram em razão de overbooking consentiram com sua exclusão do vôo.
É possível entrar com um processo contra a companhia por danos morais e materiais, já que o overbooking viola as garantias do Código de Defesa do Consumidor ao vender um porcentual de assentos a priori indisponíveis. Nesse caso é importante que o passageiro prove que tinha reserva no vôo e que fez o check-in com a antecedência sugerida pela companhia. Quanto mais documentos for o caso, melhor. Reúna cópias de reclamações formais à companhia e ao Procon e a justificativa por escrito da empresa. A advogada Luciana Atheniense avisa, entretanto, que a justiça, como sabemos, costuma ser morosa. Mas geralmente funciona: em outubro de 2009, pouco mais de um ano após o inicio do processo, a Gol foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso a pagar R$7 000 a uma cliente. A passageira alegou que, por causa de um overbooking, teve de viajar de São Paulo a Cuiabá com o filho no colo apesar de ter comprado dois bilhetes.