Muita gente não sabe, mas uma comissão técnica da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estuda os resultados de consultas públicas realizadas nos últimos meses sobre as regras referentes às bagagens transportadas por passageiros em voos com destino, origem ou trânsito no Brasil.
Tradicionalmente, existem no mundo dois conceitos de bagagem: peso e peça. No primeiro sistema, o passageiro pode despachar uma franquia fixa de peso, inclusa no preço da passagem, independentemente da quantidade de volumes. Nesse sistema, por exemplo, os 23 kg da franquia de um viajante podem estar concentrados em uma única mala ou distribuídos em diversos volumes, que, em conjunto, não ultrapassem o peso permitido.
Já pelo conceito de peça, o passageiro tem direito a transportar um ou dois volumes de entre 23 kg e 40 kg cada, dependendo do país e da companhia aérea.
No caso de excesso de bagagem, o viajante paga um valor fixo por quilo extra transportado no sistema por peso, o que geralmente gera taxas altíssimas; ou paga uma tarifa fixa para transportar uma peça extra completa no segundo sistema.
EUA, Canadá, Japão e alguns países do Oriente Médio e da África costumam adotar o conceito de bagagem por peça, enquanto o resto do mundo geralmente adota o sistema de peso, mais vantajoso para as companhias aéreas.
Com a proliferação de companhias aéreas de baixo custo, diversos países concentrados principalmente na Europa, América do Norte e Ásia passaram a permitir que as empresas aéreas vendessem bilhetes que não incluem o transporte de bagagem. Nesses casos, independentemente do sistema observado no país, o cliente paga sempre que quiser despachar uma mala. No geral, a principal diferença fica por conta de a cobrança ser feita com base no peso ou na quantidade de volumes despachados, como ocorre com o excesso de bagagem.
A tendência de separar o serviço de transporte propriamente dito dos demais serviços oferecidos pelas companhias aéreas é generalizada. A Gol começou, em 2013, a cobrar pelas refeições servidas a bordo, uma prática comum no exterior há mais de uma década. TAM e Gol também já seguem o modelo internacional e cobram taxas extras por assentos com mais espaço ou mais bem localizados em suas aeronaves.
Há empresas no exterior cobrando ainda pelo direito de embarcar primeiro no avião, pela escolha do assento na classe econômica na hora da compra da passagem e pelo acesso ao sistema de entretenimento a bordo. Há casos extremos: a Spirit Airlines, nos EUA, cobra uma taxa para que o passageiro possa levar bagagem de mão, enquanto a Ryanair, da Irlanda, cobra para que os passageiros possam falar com um funcionário se quiserem fazer o check-in no aeroporto e não pela Internet.
O mercado de taxas auxiliares –o jargão utilizado pelas aéreas para incluir toda cobrança além do bilhete– é o maior filão de crescimento do setor. Para 2014, a estimativa é que US$ 49,9 bilhões da receita de companhias aéreas seja proveniente desse tipo de cobrança, segundo a CarTrawler, uma consultoria irlandesa do setor de aviação. Com base nesses números, a revista Forbes estima que somente nos EUA 10,2% do faturamento das empresas aéreas seja proveniente desse tipo de taxa.
entre todos os tipos de cobranças adicionais, o despacho já da primeira mala é a que mais incomoda e irrita os passageiros –e um dos motivos do estudo da Anac é justamente verificar o quanto é possível flexibilizar as regras atuais sem prejudicá-los.
As companhias aéreas nacionais argumentam que a cobrança pelo despacho de bagagem permitiria dar descontos aos passageiros que viajam sem malas. A experiência no mundo, entretanto, mostra que isso não ocorre –as tarifas das grandes companhias aéreas permanecem as mesmas e os passageiros são penalizados com novas taxas.
A irritação já faz com que algumas aéreas grandes do setor, como a Lufthansa, revejam suas políticas em voos europeus.
Regras desencontradas
A Anac, no Brasil, ao contrário de órgãos análogos do exterior, tem demonstrado uma preocupação maior com o lado do passageiro quando há conflitos de interesse. Mesmo assim, a agência às vezes erra a mão.
Na tentativa de garantir de forma mais consistente a quantidade mínima de bagagem que as empresas aéreas devem permitir aos passageiros transportarem, a Anac determinou que para bilhetes com voos originados no Brasil o viajante tem direito a transportar gratuitamente 23 kg em rotas domésticas e na América do Sul. Já para as rotas intercontinentais são dois volumes de 32 kg cada.
Com isso a Anac acabou instituindo um sistema duplo para o Brasil, no qual, dependendo da rota, vigora o sistema de peso ou de peça. Apesar da inconsistência, esse não chega a ser o pior problema da regra atual.
Por um descuido legislativo na redação da norma, a Anac expressou que a regra era válida para bilhetes com voos começados no Brasil, em vez de utilizar a praxe internacional de “origem, destino ou trânsito”.
Foi o suficiente para que empresas –sobretudo estrangeiras– passassem a aplicar regras diferentes para passageiros diferentes.
Por exemplo, quem viaja para a França saindo de São Paulo com um bilhete de ida e volta terá direito a despachar duas malas de 32 kg cada nos dois sentidos. Já um turista francês, viajando pela mesma companhia nos mesmos voos, mas com o primeiro trecho do bilhete saindo da Europa, só terá direito a embarcar com 23 kg –a regra protege quem sai do Brasil, mas prejudica o comércio nacional, já que os visitantes têm muito menos espaço para fazer compras no país.
A possível mudança nas regras de bagagem pela Anac é uma ótima oportunidade de corrigir erros como esses.
SAIBA SEUS DIREITOS
Franquia grátis em bilhetes com voos originados no Brasil*
Destinos:
Domésticos: 23 kg
América do Sul: 23 kg
Demais destinos: Até dois volumes de 32 kg cada
* Segundo as atuais regras da Anac, o passageiro tem direito a essa franquia mínima tanto em voos somente de ida, quanto de ida e volta, quando o primeiro voo parta do Brasil e todos os voos são parte de um mesmo bilhete.
Franquia grátis em bilhetes com destino ou partida do Brasil originados no exterior, por companhia aérea**
Air France/KLM: 1 volume de 23 kg
Air Canada: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
Alitalia: 2 volumes de 23 kg cada
American Airlines: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
British Airways: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
Copa Airlines: 2 volumes de 32 kg cada para origem nos EUA ou Canadá (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
Delta Airlines: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
Emirates: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
Etihad: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
Gol: 1 volume de 23 kg
Lufthansa: 1 volume de 23 kg
Qatar Airways: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
TAM: 2 volumes de até 23 kg cada (voos iniciados nos EUA e Londres: 2 volumes de até 32 kg cada)
TAP: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
United Airlines: 2 volumes de 32 kg cada (idêntico às regras da Anac para voos originados no Brasil)
** Franquia para voos somente de ida, ou de ida e volta, quando o primeiro voo do bilhete não parte do Brasil, em classe econômica.
Fonte: UOL