Em razão de um problema de saúde da mãe, a carioca Ana Paula de Mattos teve de pedir, próximo à data de embarque, o cancelamento das quatro passagens aéreas compradas da Gol, em novembro do ano passado. As duas tinham programado passar um fim de semana em Recife no fim de março. Mas, apesar de o Código Civil limitar a multa a até 5% do valor da passagem aérea em caso de cancelamento, a consumidora foi surpreendida por um e-mail da empresa informando que o reembolso seria de apenas 15% do total pago pelos bilhetes.
Com Daniel Carvalho, o desrespeito foi ainda maior. Ele tentou cancelar quatro passagens da TAM no dia seguinte à compra, dentro do prazo de sete dias para arrependimento e devolução integral da quantia paga, garantido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas compra pela internet, mas a empresa queria reter 50% do valor de cada bilhete. Os problemas, denunciados ao GLOBO, servem de alerta para quem vai viajar num dos próximos sete feriados prolongados deste ano não transformar o lazer em dor de cabeça.
— As empresas aéreas não cumprem o Código Civil e o CDC porque entendem que eles não se aplicam a elas, e ainda têm uma reguladora que endossa essa postura — ressalta a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Claudia Almeida, em referência à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Em nota, a Anac disse ao Globo que não regula valores de taxas de remarcação e cancelamento de voos. Informou ainda, que a cobrança dessas taxas é permitida, “desde que definidas no Contrato de Transporte firmado entre o passageiro e a empresa na hora da compra”. Segundo a Anac, ao concordar com o contrato, o passageiro deve prestar atenção a esses valores, que podem variar em função das “diferentes classes tarifárias oferecidas pelas empresas”. Outro alerta da Anac é que bilhetes promocionais têm mais restrições para remarcação e reembolso do que os de valor mais alto. A Gol informou que as taxas aplicadas para o reembolso são informadas no momento da compra, e que uma das tarifas adquiridas pela cliente é promocional e não-reembolsável. Carvalho só conseguiu o reembolso integral da compra após acionar esta seção. Segundo a TAM, a restituição ocorreu em janeiro.
Bilhete de ônibus vale por um ano
Problemas com cancelamento e remarcação não são exclusividade de quem viaja de avião. Marcos Castello, morador de Nova Friburgo, região Serrana do Rio, teve um imprevisto na véspera da viagem que faria ao Rio, pela Auto Viação 1001, em dezembro. Ele procurou a empresa para informar que não poderia viajar e foi orientado a retornar para remarcação quando tivesse uma nova data. Dois meses depois, voltou à loja para marcar nova viagem. No entanto, apesar de os bilhetes para viagens intermunicipais terem validade de um ano a partir da data da compra, conforme a Lei Federal 11.975/2009, a empresa se negou a fazer a remarcação. “É um tremendo logro ao direito do consumidor”, reclamou Castello a esta seção. Por meio da assessoria, a ANTT informou que casos como estes devem ser denunciados à reguladora. A Auto Viação 1001 garantiu que cumpre a lei, sem fazer referências ao problema de Castello.
Quando o cancelamento ou remarcação ocorre com serviços comprados por meio de agências de viagens, o consumidor deve redobrar a atenção, pois a atividade não tem regulamentação que estabeleça teto para cobrança de multas. Portanto, é preciso ficar atento ao que diz o contrato.
Segundo o Ministério do Turismo — que mantém um cadastro com as empresas do segmento que atuam de maneira correta, mas diz não regular a atividade — as agências têm liberdade para definir os critérios para cancelamento de pacotes, taxas e multas, que devem ser informados ao consumidor no contrato. “A relação de consumo entre o prestador de serviço e o turista segue as determinações previstas no CDC”, informou o ministério, em nota. De forma geral, explica a advogada do Idec, nesses casos o entendimento do Judiciário e dos órgãos de defesa do consumidor é que a multa por rescisão a pedido do consumidor não ultrapasse 10% do valor total da contratação. O parâmetro é da antiga Lei da Usura.
O assessor jurídico da Associação Brasileira de Agências de Viagens (ABAV), Marcelo Oliveira, disse que a recomendação da entidade aos associados é que, ao estabelecerem o valor de multas, avaliem as questões legais e que informem as condições ao consumidor no ato da contratação. Ele afirmou também que a prioridade é “prezar pelos clientes”. Sobre cancelamentos ocorridos por iniciativa das agências, defende que é preciso rever a carga de responsabilidade destas empresas quanto à reparação e assistência ao consumidor:
— O risco da nossa atividade econômica precisa ser redimensionado, e as responsabilidades serem equilibradas, pois não temos ingerência nem autonomia sobre todos nossos fornecedores. Hoje, se temos de cancelar um pacote por conta de problemas do fornecedor de passagens aéreas, por exemplo, o entendimento legal, na maioria das vezes, é que temos de assumir todos os prejuízos e toda a reparação.
Simone Lima, por exemplo, ficou literalmente a ver navios ao ser surpreendida, um dia antes do previsto para o início de um cruzeiro com a família, pela notícia que a viagem não ia ocorrer. A CVC, que vendeu o pacote de dez dias com tudo incluído, ofereceu como compensação, na ocasião, uma viagem a Natal ou Fortaleza mediante pagamento de um adicional de R$ 7 mil.
— Isso é trocar uma Mercedes por um Fusca e ainda ter de pagar uma diferença absurda pela troca. Me senti muito lesada — conta.
Após reclamação da consumidora a esta seção, a CVC procurou Simone e fez o reembolso integral do valor. Ao Globo, a empresa esclareceu que a companhia dona de navios e responsável pela realização de cruzeiro pode cancelar ou alterar o itinerário de viagens de acordo com condições climáticas e outras situações previstas em contrato. E que, quando isso ocorre, o cliente pode optar pela remarcação ou reembolso da viagem sem ônus.
FIQUE DE OLHO
Atrasos e cancelamentos: No caso dos ônibus para viagem interestadual, se a culpa for da transportadora, o consumidor pode aguardar a partida do ônibus, pedir para fazer a viagem em outra empresa sem custos ou receber o dinheiro de volta. Para viagem aérea, a partir de uma hora de atraso, o consumidor tem direito a usar internet e dar telefonemas sem custos; a partir de duas horas, à alimentação e, a partir de quatro horas, deve receber hotel e transporte do aeroporto ao local de acomodação. Se o passageiro estiver na cidade onde mora, a empresa pode oferecer apenas o transporte para casa e desta para o aeroporto. Em caso de cancelamento, o consumidor tem direito à remarcação sem custo ou reembolso.
Validade dos Bilhetes: Tanto no transporte aéreo quanto no terrestre, as passagens têm validade de um ano, independentemente de o cancelamento ter sido feito pela empresa ou pelo passageiro.
Desistência e remarcação: O passageiro de ônibus interestadual tem direito a receber o dinheiro de volta se desistir da viagem até três horas antes da partida. A empresa pode descontar até 5% do valor pago e tem 30 dias para fazer o reembolso. A remarcação pode ser feita a qualquer momento, desde que o destino seja o mesmo, e o bilhete esteja na validade. No caso de o passageiro perder a viagem, pode remarcar para outra data, no período de um ano. Se o pedido for feito menos de três horas antes da partida, há taxa de remarcação de até 20% do valor da passagem. As mesmas regras valem para viagens dentro do Estado do Rio, mas remarcações podem ser feitas até uma hora antes do embarque, sem custos.
Cruzeiros: Em caso de cancelamento por parte da empresa, os consumidores têm a opção de aceitar a alteração; reservar outra embarcação de nível equivalente ou inferior, com o reembolso da diferença de preço; ou cancelar e receber o reembolso integral de todo valor pago. Se o pedido de cancelamento partir do consumidor, as empresas de cruzeiros costumam estipular um valor de multa progressivo: quanto mais próximo da data de embarque, maior será o percentual para cancelamento ou remarcação da viagem.
Fonte: O Globo