Novas normas da aviação brasileira que podem acabar com o atual despacho gratuito de bagagens vão forçar as empresas aéreas a adotarem novas estratégias e podem alterar a dinâmica de preços de passagens no país, mas ainda não há consenso sobre como o setor e os passageiros serão beneficiados.
A proposta da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) prevê que a partir do segundo ano de publicação da nova norma se dará a desregulamentação total das franquias de bagagem despachada. Isso significa que as companhias aéreas passarão a estabelecer livremente as regras, podendo inclusive cobrar pelo serviço, se aprovada a medida.
O tema fica em audiência pública até 10 de abril e a Anac trabalha com a previsão de publicação neste ano.
Na avaliação da Abear, associação que representa Gol, TAM, Azul e Avianca, a mudança permitirá que as empresas ofereçam uma tarifa inicial menor, sem embutir custos desnecessários aos passageiros que não levam bagagem.
“Vamos deixar de ser injustos com os dois terços dos passageiros que viajam sem bagagem”, disse o presidente da entidade, Eduardo Sanovicz. Para ele, seria possível deixar as passagens mais baratas mesmo em um ambiente de crise econômica. Atualmente o custo do transporte obrigatório das bagagens é diluído entre todos os passageiros.
O Ministério Público Federal, contudo, demonstrou preocupação com o tema. “O temor é de que haja um retrocesso no direito do consumidor sem a devida fiscalização. Qual é o mecanismo que garante que as empresas vão oferecer passagens mais baratas se não forem obrigadas a ter a franquia?”, disse o procurador da República Thiago Nobre, coordenador do Grupo de Trabalho Transportes do MPF.
Atualmente, são permitidas, gratuitamente, malas de 23 quilos em trajetos nacionais em aeronaves acima de 31 assentos. Nos voos internacionais, são gratuitas duas malas de 32 quilos, exceto para América do Sul.
A própria Anac afirma que como não se sabe se alguma empresa efetivamente passará a cobrar pelo despacho de bagagens “não é possível fazer estimativa minimamente razoável sobre eventual custo-benefício da medida”.
Segundo a agência, a proposta se baseia nos princípios da livre iniciativa, do regime de liberdade tarifária e tem como objetivo alinhar o mercado brasileiro às práticas vigentes nos mercados internacionais, como a Europa, onde a atuação das chamadas companhias aéreas de baixo custo é forte.
Tanto a Abear quanto a Anac dizem que as medidas adotadas até agora na aviação civil, como a liberação de preços das tarifas, implantada em 2001, geraram aumento da concorrência, do número de passageiros e redução nos preços das passagens.
Do ponto de vista das finanças das companhias aéreas, um eventual início de cobrança pelo despacho de bagagens pode não ser necessariamente positivo. “Pode ser melhor para a competitividade do setor, mas como tirar proveito se a medida for aprovada é uma questão em aberto”, disse o presidente da Azul, a terceira maior companhia aérea do país, Antonoaldo Neves.
De acordo com ele, a empresa pode ganhar lucratividade se começar a cobrar, mas isso também depende do comportamento das rivais. “Se eu decidir cobrar e as outras não, vou perder clientes, e pode ser que o aumento das receitas auxiliares não compense a perda”, afirmou.
Além disso, com a cobrança, mais passageiros se limitariam à bagagem de mão e as companhias aéreas perderiam receita recebida atualmente com o pagamento de taxas de excesso de bagagem, disse. No caso da bagagem de mão, a proposta da Anac prevê que a franquia mínima aumente de 5 para 10 quilos.
O novo regulamento proposto pela Anac também envolve diversos outros temas como prazos de reembolso, cancelamento de passagens e compensação por extravio de bagagem.
A discussão das medidas ocorre após sucessivos prejuízos registrados pelo setor no país diante da retração da demanda provocada pela crise econômica e os maiores custos financeiros e com combustível, por conta dos juros elevados e valorização do dólar.
Com isso, a Abear vê chance de redução da oferta de voos de cerca de 7 por cento em 2016 no país. Em fevereiro, a demanda por voos domésticos caiu pelo sétimo mês seguido.
Para o analista do setor aéreo da Lafis Consultoria, Felipe Souza, o mais provável é que as companhias ganhem com redução de custo de combustível, devido à tendência de consumidores de carregar menos bagagem no caso de haver cobrança.
Em rotas em que a demanda é menos sensível a preço, caso da ponte aérea Rio-São Paulo, frequente em viagens de negócios, as empresas aéreas poderiam manter os preços das passagens e ainda assim cobrar a tarifa para quem carregar bagagem.
Já em rotas mais longas e ligadas ao turismo, em que o cliente é sensível ao preço, as empresas fariam o repasse do desconto e assim atrairiam passageiros, avalia Souza.
Para o procurador do MPF, Thiago Nobre, será necessário que a Anac fiscalize as companhias aéreas, exigindo, por exemplo, que elas demonstrem a composição do preço da tarifa. “Não se pode permitir que se pratique um serviço de companhia aérea de baixo custo com preço de tarifa cheia”, afirmou.
Fonte: Época Negócios